quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Outrora

Era meia noite e nao conseguia dormir. Pedro dormia no quarto ao lado com a Claúdia, visita mais que frequente nesta casa. Fui ao quarto deles e, feito avô, puxei-lhes o cobertor que se encontrava estendido pelo chão. Agarrados um ao outro com força tal que até sorri ao ver a cena. Até a respiração se encontrava sincronizada. "Quem o viu e quem o vê", pensei ao olhar para Pedro.

Saí, fui até à varanda. À minha frente, grande parte do cemitério de Benfica. Nao me faz confusão nenhuma, até é ponto de reflexão. Por vezes dá-me a consciencia das gerações que passaram, e que eu agora faço parte tambem de uma. Da importância que temos agora na vida.

Continuava debruçado na varanda a pensar, quando me lembrei de repente de uma coisa que achei interessante. Há uns dias atrás, um jogador do Sporting, Vuckevic, disse que não gostava do futebol. Nao gostava de ver futebol (detestava, aliás), so gostava de jogar. Muitas pessoas ficaram chocadas, mas acho que entendi perfeitamente o que ele queria dizer. Porque eu detesto órgão. Não suporto estar num concerto de órgão, porque pura e simplesmente nao sou eu a tocar. Nao é egoncentrismo, não é por mal, mas nao consigo. Mexe comigo.

Pedro surgiu então, acordado de certo pela invasao que acabara de fazer ao seu quarto.

-Então irmao? Outra vez perdido nessa cabeça?

Não pude disfaçar, nao fosse ele o Lado-Oculto. Preferi manter-me calado, ao que ele disse:

-"Felizes os que nao vendo, acreditam".

Dito isto, saiu.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Sé de Lisboa

 
(Eu momentos antes do concerto)
 
Eram duas da tarde quando cheguei à Sé de Lisboa. Aproximei-me da imagem de Maria com Jesus morto nos braços, e acendi, como sempre faço quando lá vou, uma vela. Enquanto isso, o João fazia inudar a Sé ao som do enorme órgão.

O concerto era às 21:30, mas o dia prometia ser de ensaios. Antes de falar do concerto, apenas referir um pequeno episódio que aconteceu durante um ensaio que eu estava a ter com o meu professor:

O Joao tinha ido almoçar, eram 3 ou 4 da tarde, e assim o meu professor teve que tocar comigo a peça de Mozart a 4 mãos. A Sé esta aberta sempre que ensaiamos, apesar de 
algum desconforto (pelo menos para mim), de termos constantemente turistas a passarem, aponteram e tirarem fotografias. Por vezes até se sentam para ouvirem um bocadinho.
Quando acabámos de tocar, ouvimos umas palmas, o que é raro de acontecer. Mesmo que tivessemos tocado uma peça excelente, os turistas nunca batem palmas. Mas daquela vez, alguem estava a fazer um chinfrim desgraçado. Olhei para o lado, e vi que eram duas asiáticas.
Terminada a peça, resolvi ir falar ao Jorge, um colega do IGL que tinha acabado de chegar. Enquanto conversava com ele, uma das raparigas asiáticas aproximou-se de mim e enquanto abanava a cabeça em sinal de agradecimento, dizia-me em inglês: "Obrigado, muito obrigado pela vossa música, foi espectacular!". Gostou tanto que segundo consta, voltou para o concerto à noite. Como disse o meu professor, ja tinhamos fãs.

Quanto ao concerto em si, foi a loucura. Era o primeiro, mais uma vez, o público falava falava falava. 
Eu já estava sentado, 
preparado para tocar, mas as pessoas nao paravam de falar. A peça 
começava muito baixinho, e por isso 
era incomodo para mim estar ouvir as pessoas a falar
sinal de que se estavam a cagar completamente. Enquanto tocava a peça, estava completamente cheio de adrenalina. As maos tremiam desenfreadamente, e tinha que respirar muito mais frequentemente para nao perder o controlo de tudo o que acontecia, como muitas vezes esteve perto de acontecer.

Para uma dessas vezes eu tinha a minha arma secreta. Sabia que se quisesse, esse nervosismo todo podia passar. Tinha um preço: por momentos iria ficar desconcetrado do que estava a tocar, e isso podia ser perigoso. "Caguei", pensei. E numa das vezes que estava perto de perder o controlo, fugi da Sé e fui ter com ela. Ah, que sensação de alivio! Via de relance, o quanto bastasse para voltar e continuar a tocar. Assim aconteceu. O resto? Brutal. A peça nao correu extraordinariamente bem, mas as palmas e os "EEEEEEEEEEEH, BRAVO BRAVO BRAVO!" que recebi souberam muito bem mesmo.

Aqui fica o "video" do concerto, aconselho a irem fazendo outra coisa qualquer enquanto ouvem, porque ver... so se vê eu a mexer a cabeça de um lado para o outro.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Sábado à noite

Aceitei o convite com um sorriso. Convidavam-me para ir abrir o concerto da Missa da Coroaçao de Mozart, e nao recusei (tambem nao podia recusar..).

O concerto é este sabado, dia 19, com começo marcado entre as 21/21:30.

Ando em preparaçao mental. Passaram 7 meses desde o concerto passado, muitas coisas mudaram, mas felizmente as essenciais mantiveram-se.

Hoje estava a ensaiar na Sé, e senti o cheiro da nostalgia. De todas as emoçoes vividas naquela noite de Junho em que eu sabia que maior adrenalina era impossivel.

Desta vez vou tocar duas peças, uma delas sozinho. Uma delas vou estar entregue ao silencio de olhares postos em mim. Vou ser o unico a quem se permite fazer barulho naqueles instantes.
Sinto-me imensamente sozinho qd toco .. sozinho. Mas hoje foi outra vez diferente. No meu braço direito tinha um elástico que me teimava a dizer: "Vá, nao olhes para mim, olha para a partitura."

E eu sorria, inocentemente, como se nao entendesse o que isso significava.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Amanhecer


Pedro guiava o carro numa leve manha de Inverno. Claúdia dormecia no banco ao seu lado, e eu estava mergulhado na minha música do telemovel, no banco de trás.
Vinhamos da passagem de ano, iamos agora até Santa Cruz. Pedro olhou para mim e olhou para ela e disse:

-O essencial é totalmente invisivel aos olhos.
Percebi que ia outra vez ter uma palestra acerca do amor, mas antes disse ainda resmungei um "A frase do Princepezinho nao é assim...". Pedro pouco se importou, e continuou, para meu aborrecimento:
-O essencial é o sorriso que ela faz e que me deixa tambem a mim feliz, essencial é a voz que me acalma mesmo so quando diz ola, essencial é amar e ser amado pelo que Somos..., dizia, enquanto lançava olhares a Cláudia, que continuava a dormir.
Apesar da pausa que ele fez, eu tinha ficado apanhado pela aquela curta frase e continuei, dizendo: "Essencial é o abraço que me dá, e que sem o qual me sinto incompleto....".
Pedro riu-se, dizendo:

-Conseguiste atingir um nivel mais bimbo do que eu.
E voltámos os dois para os nossos pensamentos.
É mais um ano, e tenho tudo o que preciso para seguir em frente e fazer boa figura. Mais um ano de Ocultices, que tanto me ajudam a nao Ocultar-me dentro de mim. É Janeiro, tempo de amanhecer, deixar porcarias de pensamentos e preocupações para trás, e limpar a cabeça.
"Ela tem cabelos loiros, ele tem tesouros para repartir."