quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Ensaios, pensamentos, descobertas

O jantar terminara, as mesas estavam arrumadas, e na cozinha sobrava eu e o Jorge. 

O Gregoriano ja dormia, ou parte dele, no fundo nunca sabemos o que esperar. Rapidamente e em jeito de susto, o filho da Dulce apareceu à porta, citando a famosa frase ganhadora:

"Nao há paninhos quentes, André!"

Sorri, mais que uma especie de codigo secreto, era uma ligaçao.

Eu e o Jorge limpavamos e alinhavamos a loiça lavada, num silencio pensativo. Quebrei a pausa de longas breves:

"Engraçado, Jorge. Ha bocado a Rita disse, ao jantar, que nao sabia bem o que queria seguir porque para ela era dificil nao se imaginar a cantar daqui a 10 anos."

Jorge sorriu. É mesmo assim. Sorriso compreensivo. 

"Pois... acho que é um problema de todos."

E o silêncio quebrado recompos-se, qual tema de fuga!

A dificuldade está aqui. Daqui a 10 vou querer estar dentro ou fora da Musica? .. Dentro ou fora de Matematica?

Os pratos passavam de mao em mao, arrumados, prontos para o dia seguinte. O tempo era contado em forma descrescente, no fundo ninguem gosta de ficar a limpar a cozinha.

De repente, assaltado de um pensamento, partilhei:

"Bom, mas enquanto nao sabemos, nada melhor que dar graças por este dia."

Parei, encostei-me ao balcao, olhar fixo no tecto. Jorge nada disse, expectante do que viria a seguir..

"É que é um luxo poder estar a tirar um curso que sempre quis, e tambem fazer musica com estas pessoas!"

Jorge riu-se. É verdade! E realmente, poucas vezes damos valor.

Cozinha terminada, tempo de ir reunir com o pessoal na sala de alunos. Descemos calmamente as escadas...

"Simão, o que é que ainda estás a fazer de pé? Pedro! Pedro, para de correr! Isto ja nao sao horas..! Alberto... outra vez ires acordar a Magui com a esfregona.. nao..."

Avisos caiam em tom mandatário, confesso, mas tento nao faze-lo. É tao mais facil errarmos nós.

Chegado à sala de alunos, belo cenário! Todos dormiam profundamente... o cansaço era tal após um ensaio de Coro de Camara, que a ideia de ver o Rei Leao às escuras, telas de cinema, projectores directamente vindos da China ou do Cambodja, nunca sei, nao resultara.

Laura e Ana tinham a cabeça encostada uma à outra, enroscadas no pequeno cobertor.

Debora e a Eunice falavam, afinal, baixinho. Riam-se, baixinho, das suas piadas, privadas, mas que fazem delas assim tao especial.

Jorge e eu sentamo-nos, cada um numa ponta do sofá, mesmo a tempo de uma das minhas cenas favoritas:

"- Timon...
- Que é?
- Alguma vez imaginaste o que serão aqueles pontos brilhantes lá em cima?
- Pumba, eu não imagino, eu sei!
- Ah! E o que são?
- São pirilampos! Pirilampos que ficaram colados àquela coisa grande azul escura.
- Ah!... Sempre pensei que fossem bolas de gás a arder a milhões de quilómetros daqui...
- Pumba, p’ra ti, tudo é gás."

Dia cumprido, satisfaçao. Hoje há que dizer obrigado pelo que se tem. Daqui a 10 anos, aquela sala tera outras pessoas a dormir. Mas no fundo, a uniao de quem a fundou continuará, de certo!

sábado, 24 de outubro de 2009

Desabafos

Entrei de rompante. Respiraçao rápida.

Jesus ali estava, na sua secretária, na mesma sala onde outrora eu ja estive.

Pernas esticadas, olhar concentrado, na sua mao tinha o livro de José Saramago. E nao, nao era "Caim". Era o "Memorial do Convento".

O meu olhar surpreso nao passou despercebido.

"Diz, André!", Pediu-me.

Meio atrapalhado com a ironia da situaçao, balbuciei:

"Mas... vinha-Te desabafar acerca do livro..."

E ainda antes de eu acabar a frase, Jesus fechou o Memorial, endireitou-se na cadeira, olhou seriamente para mim e disse:

"Vens Me perguntar se acho bem ou mal, se fico ofendido ou nao..."

Inclinei a cabeça em sinal de aprovaçao. Estendeu a mao para a cadeira, numa especie de convite para sentar. Depois continuou.

"Tens que aceitar, André. É liberdade...!"

"Mas nao é abusivo? Quer dizer, as pessoas dao a desculpa que ele é Nobel, entao nao deveria ter mais cuidado com o que diz?"

"Imagina um grande musico. Ou um grande matematico. Agora imagina que ele vai ter que dar um espectaculo ou seminário. Quando chega a hora, enfrenta o publico, manda dois arrotos para o ar.. É por ser reconhecido que pode fazer isso?"

"Eu acho que nao..."

"Pronto, deixo-te com esta para reflectir. O escandalo é enorme, mas nao vale a pena! Olha, até mais pessoas teem lido a Biblia, sabias? Pode ser que ajude a conhecerem-Me melhor!"

10 segundos de silencio. Percebi a mensagem. Levantei-me. 

"André...", Disse-me, "... nao te esqueças que muda a hora!"

E com uma gargalhada, sem respiraçao ofugante e muito menos sem duvidas, abandonei a sala.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Dias assim


Simples.


Um dia bem passado tem que ser simples. Sem correrias.

O tempo pouco faz.

E deixa a saudade, no final, de voltar ao inicio. 

E porque nao, outra viagem de teleférico?

quarta-feira, 14 de outubro de 2009


Prefiro pensar como um desafio.

Disseste-me que chegavas ao final do dia sem saber se eras capaz. Aqui escrevo, para mais tarde um de nós relembrar: és capaz.

Se calhar antes o caminho era simples como uma recta, numa planicie. Ainda bem. Agora é altura de escalar montanhas, de teres rocha e escorregares por vezes nos passos que dás.

Mas a diferença entre os dois caminhos é clara: no final da recta da planicie, nem a paisagem terá mudado. Nao tiveste muito cansaço, e teres chegado ao final da recta pouco te teria alterado.

Mas ao chegares ao topo da montanha, tens vista sobre tudo. O cansaço é grande, mas a recompensa é enorme. 

Vale a pena..!

terça-feira, 13 de outubro de 2009

E ao avançar para a Igreja do Campo Grande, perguntei-me:

"Como é que eu devo encarar... a morte de alguem?"

Não é facil, e sei que muitas vezes é este o ponto que separa a fé. O meu passo ia rápido, a cara nao tinha feiçao.

Estava meio perdido no acontecimento. 

Ás vezes nao é preciso ter-se uma ligaçao profunda com alguem. Basta esse alguem marcar-nos de alguma maneira.

Estava aqui a resposta, entao, à minha pergunta: A morte nao é mais que um reconhecimento e passagem de testemunho. 

Confesso que nao me satisfez, principalmente naquele momento de dor. Mas sabia que a imagem que mais me vinha era o sorriso que trocavamos, todos os domingos de manha. 

Aquele sorriso marcava-me. Fazia parte daqueles sorrisos que eu sabia que me protegiam, que me perguntavam como ia a faculdade, a vida, tudo... num simples sorriso.

A Igreja ja aparecia ao longe. Nao havia mais a pensar.

Aqui fica a lembrança e o obrigado. A falta estará sempre presente, mas disseram: "Hoje o banquete nao é aqui. É na casa do Pai."

Eu creio que sim.