quarta-feira, 16 de julho de 2008

Ser feliz


Aceitei. Quando a Ana Rita me perguntou se queria ir fazer voluntariado à Casa do Bom Samaritano, nao hesitei e respondi que sim, sem olhar a datas nem obrigações.

Partiria segunda de manha, e ficaria lá até quarta à tarde. Três dias que se revelaram três meses.

No domingo que antecida essa Segunda feira, à noite fiquei aprensivo. Comecei a pensar para onde ia, e comecei a ficar com o pé atrás. A tarefa nao ia ser fácil. Estaria a pedir muito de mim? Estaria preparado para dispor algo que nao sabia se tinha? "Veremos", conclui. Adormeci na certeza de que ia. E isso era, naquela altura, o mais importante.

Acordei na segunda disposto a ir ao encontro do que a Divina Providência me tinha para propor. Esqueci-me, claro, que no que toca à Divina Providência, tudo aquilo que nao faz sentido, de repente parece a coisa mais lógica à face da terra.

Encontrei-me cedo com a Ana e fomos apanhar a camioneta a Sete Rios. Depois de algumas peripécias e um "Voces pensam que os motoristas sao uns grandes palhaços...!" vindo do prórpio motorista para toda a camioneta, antes do inicio da viagem, la arrancamos, em direcção a Fátima. Virei-me para a Ana, no inicio da viagem e perguntei:

"Achas que estamos preparados?"

Ela sorriu, e respondeu que sim. No fundo ela tinha mais fé que eu de que tudo iria correr bem. Liguei o MP3, encostei a cabeça, e deixei-me dormir.

Quando chegámos, ficámos à espera da irmã Ana. Figura especial, esta irma. O seu nome é Irma Ana da Paz, e realmente é verdade: transborda paz da cabeça aos pés. Ainda é nova, e a sua companhia foi sempre um factor motivante para o nosso trabalho.

Chegados à casa, onde ja tinhamos estado a uns meses atrás, ficamos à espera da Luisa e da Mafalda, duas amigas da Irmã Ana. Fomos depositar as malas aos respectivos quartos, e enquanto elas nao chegavam, saquei de uma folha que o meu amigo Tiago Krug me tinha dado, para reflectir. Era acerca da passagem da Samaritana com Jesus, e a àgua. Li, pus as perguntas na minha cabeça, e fui-me embora.
Da esquerda para a direita: Irma Ana, Luisa, Mafalda
A ideia era as respostas se fossem encontrando ao longo do dia, com a ajuda das meninas. E assim foi.

Quando a Luisa e a Mafalda chegaram, vindas de Coimbra, fomos reconhecer os cantos à casa. A memória ainda estava fresca, havia sitios que ainda perduravam na minha cabeça. Terminada a visita, fomos entao ter o contacto com as meninas. Ao principio cai-se sempre no erro de ficar de pé atrás, mas nao vale a pena. Incrivel. Sendo nós os supostos "Saudaveis" e essas tretas todas, no momento da verdade somos nós que vacilamos perante alguem que estupidamente rotulamos de "inferior".

Foi diferente. Estavamos ali por causa delas, desse por onde desse tinhamos que superar esse... medo (?). E so ganhámos com isso! A partir daí os dias foram passados numa total festa.

A primeira actividade em que iamos ajudar era o almoço. Confesso que nao estava preparado, mas gostei. Numa das mesas, faltava uma menina e entao sentei-me no seu lugar, e fiquei a falar com as restantes. Eram conversas de descoberta. Nao se desenvolvia muito, mas falar do cozinhado, do dia e das actividades que elas iam fazer ja dava conversa para horas seguidas.

Descobri as suas estações do ano preferidas, enquanto pensava na qual era a minha. Descobri que havia uma menina que fazia anos no mesmo dia que eu, e descobri ainda muitas tem tarefas distribuidas ao longo da casa. Uma sintonia a rondar o perfeito. Porque a simplicidade era a chave.

A tarde de segunda foi dedicada ao ar livre, e fomos para uma pequena mata que ficava ainda dentro das "propriedades" da Casa do Bom Samaritano. Falámos, rimos, cantámos e até fizemos teatros com fantoches. Tudo numa boa disposição. Sem qualquer preocupação a pairar na mente. Apenas o que era essencial estava ali.

Outra coisa que reparava ao longo dessa actividade era o bem estar das funcionárias, a dedicação e alegria que emitiam. Era de louvar. Todos os dias ajudavam, e percebi que tambem aquelas meninas passavem a ser parte da sua familia.

A certa altura dei conta de um rapazito que nos andava a seguir pela casa toda. Vim a saber que era o Tiago, 8 anos, filho de uma funcionária. E enquanto estavamos lá fora, nao pude deixar de reparar na maneira como ele falava com as meninas: uma simplicidade e desembaraço sem iguais. Pareciam suas irmas, na maneira como falavam, embora tivessem idade para serem suas avos. "Vê e aprende", disse-me o meu lado-oculto. Sem duvida.

Era tambem à tarde que eu começava a desenvolver uma relação muito especial com uma das utentes! Rosa Helena de seu nome, o seu sorriso, embora ja carregado de idade, e os seus constantes abraços punham-nos sempre de riso e sorriso. A minha tarefa ao longo destes 3 dias era clara: faze-la conseguir decorar o meu nome! E nao foi tarefa facil. Aliás, creio que ficou por cumprir. Para ela, eu era o Miguel, e ponto final. Nao havia volta a dar. De tal modo que quando eu ia nos corredores e ela, numa das salas, me via, depressa se levantava e dizia: "Miguel, Miguel!". Mais um nome para eu acrescentar à lista!

Chegou o jantar, e com ele maiores doses de boa disposição. Cada vez estavámos mais á vontade, aquela casa estava a ser a Nossa Casa.

As perguntas que me tinham sido lançadas para reflexão faziam o seu efeito. Descobrir as respostas era factor de alegria. Na partilha que o nosso grupo fez ("Sister Anne", Luisa, Mafalda, eu e Ana Rita) fiz questao de o mencionar. Habituado às partilhas do meu grupo, foi-me muito interessante ouvir o que a Luisa e a Mafalda tinham para dizer.

Depois do nosso jantar, onde passei a descobrir um maravilhoso sumo de laranja chamado "Ika", o qual aconselho vivamente, fomos descansar para a entrada da casa. As meninas ja estavam na cama, e estavamos á espera da Irma Ana para irmos ao Santuário.

Depois de alguns acontecimentos tais como levarmos com um balde d'agua fria em cima vindo do primeiro andar, lá nos pusemos a caminho do Santuário de Fátima. A certa altura a Margarida liga-nos (membro do GJ), dizendo que podia ir ter connosco no dia seguinte. Era outra excelente noticia, quantos mais, melhor!

Chegados ao Santuário da Fátima, sentámo-nos no meio do alcatrao, e por ali ficámos a ver e ouvir o terço que ser rezava nas diferentes linguas, na capelinha das Aparições. O tempo está agradavel, nao havia vento, e a temperatura permitia-nos estar ali toda a noite, caso fosse preciso.

Ao nosso lado, o caminho para se fazer de joelhos era percorrido por alguns peregrinos, cujo esforço era evidente nas suas caras. Passado algum tempo, olhei de novo para o lado, e vi algo que nos tocou a todos do grupo: um casal jovem, possivelmente da nossa idade, fazia de joelhos o tal percurso. Ele estava de capecete no braço esquerdo, e encorajava a namorada, embora tambem lhe custasse, a seguirem caminho. Ficámos um bocado enbasbacados. Disse em voz alta: "Se eles voltassem e passassem por aqui a pé, até ia falar com eles..!". Nao sei porque, confesso. Apenas senti-me tocado pela uniao que eles representavam ali, naquele momento. A Mafalda riu-se, mas depressa admitiu que "eu nao estaria ali de certeza com o meu namorado!".

E assim foi. Passado alguns minutos, vimo-los subir. A Irma Ana vira-se e diz-me: "Olha, ali vao eles! Va, vai lá dizer-lhes qualquer coisa.". Respondi que nao, e ela insistiu dizendo: "Há oportunidades na vida que so vem uma vez...!". Dita daquela maneira, poder-se-ia fazer uma verdade palestra. Parei um milésimo de segundo a pensar nela, levantei-me num àpice, e fui ter com eles.

Ao chegar junto deles, disse-lhes sem hesitar que admirava a devoção que tinham e que saltava à vista, numa idade que sabiamos que nao era comum. Trocámos algumas palavras, mas acima de tudo, trocámos olhares. Olhares de quem percebia que nao nos conheciamos de lado algum, mas havia algo que nos ligava: Ele.

Ao sairmos, desabafei o quao marcado me tinha a imagem deles os dois, de maos dadas, a descerem de joelhos. Foi entao que a Ana Rita me disse das daquelas frases que me deixou...

Os outros dias foram mais do mesmo: Ajudar! Foram autenticas descobertas das pegadas de S.Francisco, culminando com o filme "Irmao Sol e Irma Lua" (noite de terça) (filme o qual é espectacular, muito graças à incomparavel beleza da actriz que fazia de Clara :P). A Mafalda e a Margarida dormiam na sala, mas o filme prendeu-me e nao deixou dormir-me. Fiquei surpreendido pela vida de Francisco. Gostei.

Era altura de fazer o balanço. No autocarro apercebi-me de que, enquanto for capaz de ajudar...

... enquanto souber abraçar para fazer sorrir...

... e enquanto tiver pessoas ao meu lado dispostas a fazer o mesmo...



... serei, de certeza, feliz!

5 comentários:

Frei Bruno disse...

Grande André!! :)
Alegra-me muito a tua partilha, a tua alegria e a tua dedicação aos outros!!
Sei que esta experiência na casa do Bom Samaritano ficará para sempre marcada no mais fundo do teu coração, essse coração grande que quase não te cabe no peito:D
Não tenhas medo, sabes que não te faltarão abraços, e muito menos sorrisos, grandes sorrisos como aqueles que experimentaste estes dias.
Um grande abraço :)
Sê feliz =)

Anónimo disse...

uma palavra so: DIVINAL! (a tua palavra) =D

Ana Rita Sempiterno disse...

Foi uma semana de partilha, ajuda, reflexão, alegria…
Frases como: “Viver é ser amado”, “Não hesites em amar e amar profundamente”…estiveram sempre presentes na minha estadia na Casa do Bom Samaritano.
É com as Meninas que a nossa capacidade de nos darmos e entregarmos é cada vez maior, generosa e profunda…
É ELE que nos acompanha e nos dá esta vontade de sorrir com imensa alegria, quando ajudamos os que mais necessitam.

Anónimo disse...

Obrigada! =)
Ele deve estar aos saltinhos! Já para não falar do sorriso de orelha a orelha! ;)

Tiago Krug disse...

André!

Gostei logo do título e da forma como começas-te a escrever o texto.
Reparaste?

"Ser feliz

Aceitei [...] não hesitei e respondi que sim, sem olhar a datas nem obrigações."

Porque acima de tudo é a proposta que Ele nos lança e temos a liberdade de aceitar ou não.
As características de cada um de nós reflectem bastante a forma, o entusiasmo e a determinação com que o fazemos.

A mim comove-me especialmente este texto pela forma como me convidas a acompanhar-te, pela forma como participei um dia do seu início e pelas conclusões que sei que trazes contigo.

Fico tão contente por participar delas. Fico tão contente pela forma como, juntos, O tocamos melhor.

Imagino os sorrisos que recebeste, imagino os abraços que deste. Dão sabor à vida!

Que continues sempre como tão bem sabes a ser comunhão. Porque os "sucessos" de Deus não são os mesmos dos homens. Deixa-te inundar sempre do que é profundo e simples antes do demais.

Acredito que sempre que nos sentirmos encher de sorrisos e aquele calor interior que nos faz voar, estaremos no nosso caminho certo!

Adoro também sentar-me a contemplar o Santuário de Fátima. É incrivel e inesplicavel. O que dizer mais?

Sei que nunca mais terás sede...

Um Abrço enorme!

Tiago