quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Santa Cruz

Hoje relembro-me das noites passadas em Santa Cruz, na casa de praia de uma amiga dos meus pais.

Talvez seja melhor relembrar-me tambem das tardes.

A viagem desde Lisboa era um voo. O jipe andava a bom ritmo, a rádio ia ligada na "Rádio Nostalgia", a minha cabeça estava caida para trás, e deixava-me adormecer pelas melodias que me eram, e ainda sao, tao familiares.

A casa ficava perto de uma falésia. Era um aglomerado de casas, atravessadas por uma pequena estrada que servia apenas de ligação entre elas. O mar estendia-se ao longe. Era uma vista sem igual.

A casa era simples. Tinha uma piscina em frente à sala, na qual se abriam as enormes persianas e o oceano ficava visivel mesmo do sofá. Em volta da piscina, um simples relvado. O relvado que se torna no meu centro de treinos futebolisticos.

Quando a noite aparecia, o frio tomava conta da zona, o mar deixava de se ver, mas as ondas ouviam-se, bem como se podia sentir o seu odor.

Sentava-me em cima do muro que dividia a casa de um descampado, agarrava os meus joelhos, e assim ficava. Sentado. Com um casaco em cima, nao havia frio que me apagasse.

Decidi la voltar. Agora. Estou no meu quarto, mas decidi lá voltar. Peguei no cachecol, no meu casaco mais quente, e sentei-me.

" 'Tás pronto?" , perguntou-me Jesus, abrindo a porta do quarto. Abanei a cabeça, fechei os olhos em sinal de aprovação. E quando voltei a abri-los, lá estava. Nao no mesmo sitio. Estava no tal descampado. A casa estava em frente.

E lá estava eu! Sentado, como de costume, em cima do muro. Aproximei-me lentamente. O Jesus tinha-me avisado que eu (ele) esperava-me. Que mais ninguem me podia ver.

Antes de o ver, nao pude deixar de olhar para o interior da casa. Lá estavam! Os meus pais, a Ana e o Paulo. Tão mais novos! Sorri, e avancei.

Estava nervoso. Eu estava nervoso , e nao percebia porquê. Avancei, encostei-me ao muro, ao meu lado estava... eu!

"Bolas, isto está cada vez mais frio!" , disse André, o pequeno, para mim. Ri-me. Tirei o meu cachecol, e dei-lhe. Aí, ele olhou para mim. Vi um sorriso a abrir-se na sua cara. Ficou estupefacto a olhar para mim.

".. Mas... Mas nao tens barba!", reparou-me, depois de tanta admiração.

"De vez em quando."
, respondi. "É que elas nao gostam muito..!"

"Elas?!", admirou-se ainda mais. "Elas quem? Mas tu tens mais que uma namorada? André... Eu nao quero ser assim!"

Aquilo estava a ser um comédia. Tanto ficava admirado de alegria, como desanimado. Dei-lhe uma palmada nas costas:

"Nem uma tenho. Refiro-me às tuas colegas do Gregoriano."

Pronto. Eu ainda me lembrava da cara de sofrimento que tinha quando falava neste assunto. Eu nao conseguia perceber na altura, e agora continuo a achar natural. Ele nao respondeu, mas percebi o desaparecer da felicidade. Olhou para a frente, pos a posição original. Disse-lhe:

"Nao faz mal, acredita. Sei que só te apetece sair de lá, mas nao vais. E agradece a Deus...!"

"Mas André.... tu sabes, tu passaste... por mim! Tu sabes o quao angustiante é la estar!"

"Entao e se eu te disser que por isso mesmo, digo que vale a pena lá ficar? Nao confias em mim?".

Riu-se. Que mais lhe poderia contar? Que o primeiro concerto a que ele ia estar presente ia ser Queen? Que ia ter um autografo deles? Que iria ser um sucesso o intercâmbio francês que ele ia fazer? Que ia seguir Matemática e Música ao mesmo tempo? Que ia passar a tocar com os escuteiros, todas as missas? Que um dia seria catequista? Organista numa paróquia que nao Carnide? Como? Como iria ele perceber isto tudo? E ainda iria ter que passar tanto tempo..

Quando nos encontravamos num momento mais de silêncio, eis que ele diz:

"Entao e eu vou conseguir .. ahum... como dizer... conseguir conquistar 'a nossa amiga' ? "

O olhar dele era intrigante. Nao percebi muito bem. Até que lá puxei um bocadinho pela memória e soltei um: "AHHHH!". E ri-me a bandeiras despregadas. A aflição e curiosidade com que eu tinha acabado de perguntar aquilo era fascinante.

Dei-lhe outra vez uma palmada nas costas:

"Isso ja nao te posso mesmo dizer. Apenas te posso dizer que vais ter que aprender melhor frances. Isso sim! "

André, o pequeno, estava com cara de parvo. Nao percebia a ligação. Mas fiquei com a certeza de que se sairia bem. Saiu. Aliás, sai-me bem, nao tenho duvidas!

Vi a minha mae, ao longe, mais nova. Chamava-me por mim.. quer dizer, por ele. André olhou para mim. Nao disse nada, mas o olhar dele era de certeza. Confiança.

Jesus esperava no outro lado do descampado. Cheguei, sentei-me. Perguntou-me:

"Entao? Alguma conclusão?"
Lembrei-me do Tiago, da Paula, da Cacao, do casal Oliveira. De tanta gente que aquele André nao conhecia, mas que um dia viria conhecer.

"Vale a pena sonhar, André, vale a pena!",
respondeu Ele mesmo.

Inclinei a cabeça. Quando a levantei, ja nao havia som de ondas. Nem o frio. Estava em casa.

Amanha é dia de levantar cedo. Ficou a visita a Santa Cruz. Renovada.

4 comentários:

Cacao disse...

ANDREW, dos melhores posts de sempre! de SEMPRE! ainda estou a processar a minha fascinação...! gostei meeesmo imenso! não pude deixar de sorrir ao longo de todo o texto. tens ideias geniais...! a serio, adorei. E apetece-me agarrar o tu-puto e dizer: NAO DESISTAS PAAAAA, vais ser grande, um dia!! E não é que desta vez tenho a certeza? Ah, e aposto que nessa altura ele ainda nao conhecia o Pedro, esse que anda sempre em ti.
Adorei, andré, é o que posso dizer agora..!
Ah, o post chama-se Santa Cruz por alguma razao? :)

Anónimo disse...

Epah, meu caro, tem de começar a escrever textos mais curtos.. ou a pôr gravuras.. Assim não dá, é uma seca!!
lol
:P

Tiago Krug disse...

Tian,

Sorrisos profundos, é o que te digo.
Sorrisos profundos de que falas, sorrisos profundos que são acompanhar-te a crescer, sorrisos profundos a nossa amizade, o que partilhamos, saber que Ele cruzou os nosso caminhos.
Sorrisos, é o que esboço sempre que te vejo!
Adoro-te meu mano...

Tian!

Anónimo disse...

Olá pequeno André!

Não podias imaginar que para além daquele oceano que vias através da janela e muito aconchegadamente sentado no sofá, irias encontrar um dia, alguma coisa que deixasses valorizar o tesouro que vai no teu coração.

Nada na vida se pode prever, tudo vem a seu tempo, e quando se está aberto a isso.

Poderias agora, anos mais tarde, ter voado sobre este oceano, e na paragem que fizeste a meio (Açores), não ter descoberto nada que te marcasse e que agora recordas, a nossa AMIZADE.
Sinto-me premiada com isto, e feliz por estares sempre comigo e por me sentir contigo, isto não é ser convencida, foi Ele que nos escolheu, e fez com que nos conhecesse-mos.

Amo-te mano...
:)
Paula!