
Tempo de virar a página.
Mudança de capítulo.
Fim do Capitulo I.
Inicio do Capitulo II.
12 de Julho, no mar, algures numa praia da Costa da Caparica:
O tempo para decidir escaceia, e faltam dados importantes. Contudo, creio que é tambem preciso olhar para o que foi feito em 3 anos.
Em 3 anos, decidi eu, quis tirar o curso de Matemática Aplicada. E decidi tambem, a certa altura, que queria fazer Órgão no IGL. Ja fazia, mas a certa altura quis fazer bem feito. Praticamente dois cursos ao mesmo tempo. O resultado?
O resultado fala-se pelo meu mês de Maio e Junho deste ano. Resumem um bocado a vivencia destes 3 anos, mas agora condensada e realista.
Ontem peguei no telemovel e fui ver a minha agenda destes 2 meses. Quis-me convencer que os resultados no IST nao apareciam porque era impossivel que aparecessem. Nao porque seja estupido. Relembro, entao:
O mês de Maio começava "agitado", com a proposta de fazer o teatro "O Escopro de Deus". A preparação ja vinha de Abril, e o teatro teve lugar durante o Congressao da Jufra. O Congresso foi dia 7, 8 e 9 de Maio. Dia 7 de Maio de manha tinha teste no IST, e dia 10 ao meio-dia tinha o meu segundo recital do ano. Passado dois dias tinha um outro teste no IST, e passado mais dois dias tinha o meu exame de Órgão para acesso à ESML. No dia seguinte tinha audição de E.Vocal. As duas semanas que se seguiram ate ao final do mês foram para preparar o concerto no ISCTE, e a audição de Musica de Camara da Prof Elsa que seria no dia seguinte.
O mes de Maio estava perto de acabar. Dia 31, à hora do almoço, estava a caminho da Holanda para ir fazer as provas para Órgão, no Conservatório Real de Haia. O irónico é que dia 31 de manha estava a fazer um teste no IST.
Junho começava com "Holanda '10 - Parte 2". E que parte! Era inevitavel nao ter as emoçoes ao rubro, mas tambem o desempenho nao podia ter sido mais tranquilo: a alegria que tive minutos depois de saber o resultado valeu pelo ano inteiro. Contudo, sabia que mal voltasse, a rotina iria continuar. E assim foi: voltei numa sexta. Na quarta seguinte estava a acompanhar o Coro de Camara no concerto final na ESML. Passado 3 dias estava a cantar o meu programa de exame de E. Vocal numa audição. E na semana que viria, de dia 14, tinha o meu exame de Órgão na sexta. A semana teve estudo todos os dias de manha, até à uma, e desgastavam de maneira a que o estudo para o IST tornava-se mais lento (que era feito à tarde). E em menos de uma semana, começavam os exames de Matemática.. Terminava o mês de Junho.
Dois meses. Em dois meses fiz duas provas para Superiores, fiz uma viagem ao estrangeiro, testes no IST, exames no IST. Algumas coisas correram bem, outras mal.
Depois de fechar a agenda, estava certo: estou cansado, mas ainda sou capaz. Sim, um ultimo esforço pela Holanda!
E ainda me continuam a surpreender. Depois de rejeitar um convite para a Inauguração dos 6 Órgãos de Mafra (indubitavelmente, um dos acontecimentos do ano, nacional e internacional), pois ja tinha reservado a tarde para os "Gregorianos", eis que me surpreenderam com... um bilhete para a Inauguração!
Claro está, nada é feito ao acaso, e nao foi logo que descobri onde iria estar à tarde. Uma venda nos olhos, uma viagem de carro de 40 minutos, um jantar fenomenal sem saber onde estava, e depois: Mafra!
Indescritivel e único.
Como? Em bicos dos pés.
Em silêncio. Faro tambem está em silêncio.
A ligação que tenho com esta casa é inacreditavel. É o meu refúgio. De tudo.
A luz da sala está acesa. Nunca vi tanta música em tanto silêncio.
É entao que percebo que Obrigado deve ser dos gestos mais simples e eficazes que existe.
É interessante pensar que o primeiro a acreditar e "perceber" os acontecimentos correntes era um malfeitor, que reconhecia o mal das suas acçoes! No seu sofrimento, foi humilde (?) para perceber que ao seu lado estava a ser crucificado Aquele que o ia salvar. Não hesitou.
Jesus nao ignora, é directo na resposta: "Hoje estarás comigo no Paraíso." Os primeiros a entrar no Reino seria Jesus... e um ladrão. Só revela a principal mensagem de reconciliação que Jesus trazia. É curioso notar que nos capitulos seguintes, tanto os discipulos como Maria e Maria Madalena, encontram-se fechados em casa, "nao se lembrava do que Jesus tinha dito acerca do terceiro dia".
O malfeitor tambem nao saberia, quase de certeza. Contudo, a ideia principal está que este se converteu, não num momento de pregação de Jesus, mas sim no momento mais duro da vida de cada um deles.
Pedro negou Jesus três vezes, e Este nem havia sido ainda crucificado. O malfeitor cumpre assim: "tudo o que pedirdes com fé, na oraçao, ser-vos-á concedido".
E foi no Varatojo que continuei a escrever dos capitulos mais interessantes da minha história. Esse capitulo, anónimo, foi preenchido por um retiro do meu Grupo de Jovens de Carnide.
Nao é preciso muito. É so preciso saber fazer, entregar, e olhar.
O tempo passa, ou nao tivesse sido mais este fim-de-semana um simples sequela duma inesquecivel história.
"Pursuit of Happyness" foge da banalidade onde, inspirado numa história real, o desenvolvimento nao é de fácil previsão.
Lembro-me de Chris Gardner (Will Smith) ter dito durante o filme: "Tenho que fazer em 2 horas aquilo que os outros podem fazer em 6." De certa maneira identifiquei-me. Não que seja um grande problema: Chris só dispunha de duas horas porque depois tinha que ir a correr, com o filho, tenta arranjar cama numa especie de "lar" para os sem-abrigo. Eu tenho que correr, porque enquanto estou envolto em equaçoes, teoremas e preposiçoes, a seguir tenho tons salmódicos, peças e tudo o mais para cantar, tocar.
Vejo isto quase como uma benção. Dizia a minha madrinha da faculdade que "Gosto imenso de aprender, estudar." Compreendo-lhe o contexto. E tambem me identifiquei. Há quem ache que isto nao é nada de especial. Concordo! Não há nada de especial em estudar Matemática, em estudar Música. Mas a verdadeira essência é poder estudar as duas coisas.
Relembro a determinação de Chris, e gostava de por vezes dispor de alguma. Nao falta motivaçao nem energia, mas talvez mais certeza no resultado final. E sei que nao sou o único nestas aventuras, nestas correrias. E isso, claro, tambem reconforta. Se agarrar oportunidades parecia uma frase muito usada, neste filme passou a fazer outra vez sentido. E isso fez-me pensar.
Com um sorriso de alegria, talvez pela minha juventude, a senhora respondeu:
"Ah, sim sim, o Sr Padre disse-me que viria!", e vendo que nao tinha a chave do orgao, apressou-se a ir buscar a um armário, empoleirando-se numa cadeira, dentro da salinha que estava logo à entrada da pequena igreja.
"Sabe onde é?", perguntou, ao entregar a chave.
"Sim, ja ca estive algumas vezes", respondi, com um sorriso. Apontou-me o caminho.
Subi as escadas de madeira, meio tortas. Era estreito. De lado, a parede ja meio cinzenta, do outro, um amontoado de recordaçoes, adereços natalicios, um infindavel numero de coisas que conferiam uma especia de arrecadaçao aquele espaço.
Subi. Depois de descobrir como se ligava o orgao, fiquei completamente atonito pela leveza do som que saia. Nao é descritivel. Mas é audivel.
Sentei-me, entao, sossegando da azafama do dia, e olhei em frente. Toda a fachada envolvente ao sacrário era em talha dourada, que mesmo no escuro da tarde, parecia ter um brilho especial. A igreja, pequena, sem acustica, seca, parecia igreja de aldeia.
As pessoas iam chegando, mas poucas. Ao inicio contavam-se pelos dedos das maos. Falavam, nao muito baixinho. Entretanto o Sr Padre chegara.
Apressei-me a descer as escadas e ir ao seu encontro. Um sorriso profundo esperava-me, assim como as peças que iria tocar. Conhecia tudo, e fiquei satisfeito por assim ser, dá outra tranquilidade.
O Sr Padre iria cantar a solo, e disse-me: "Irei ensaiar com a assembleia daqui a pouco." Achei curioso. A assembleia nao passava de 3 dezenas de pessoas. Eu contei.
Na verdade, mais uma vez ficaria surprendido. Nao só se revelou um excelente solista, com o Sr Padre conseguiu por a assembleia a cantar a plenos pulmoes.
É isto que me toca. A simplicidade das coisas, e o sabor que a música leve. Senti-me profundamente feliz, e se isso é explicavel, nao o sei fazer. Senti-me bem. E sei que se a missa durasse 2, 3 horas, estaria com o mesmo sorriso.
O sol ja se tinha apagado, mas naquele dia de chuva, era questionavel se alguma vez ele teria acendido.
A vida tem mais sabor assim, nas coisas simples. Ha quem se maravilhe com coisas imponentes. Eu tambem. Mas acabam por ser as mais simples que me dao um gozo enorme.
E o som do orgao, embora nao fizesse eco, preenchia e perdurava. Porque um som daqueles nao se esquece.
Ontem marcou o inicio do Ano Mundial contra a Pobreza e Exclusão Social.
A passagem do Evangelho desta semana encaixa na perfeiçao. A mensagem é de aposta. De arriscar. De mudar.
Esta passagem tambem me marca especialmente porque foi o tema do meu primeiro retiro, na Praia das Maçãs.
E se tantas vezes nao tivessemos fé? E se tantas vezes nao quisessemos dar o passo em frente? E se tantas vezes nao tivessemos coragem para lançar a rede como Pedro fez?
É certo: nao sorririamos tantas vezes!
Mas é preciso ainda mais. Descobri que 18% da população portuguesa é pobre. Ou seja, que aproximadamente 1 em cada 5 pessoas é pobre.
São numeros assustadores. Nao esqueço um dia em que saí da Sé, chuvia imenso (mais um frio insuportavel). E á porta, 3 sem abrigo dormiam (ou tentavam) debaixo de caixotes. Assim. Mais nada.
É preciso mudar. E mais que querer mudar, fazer mudar. Para este Ano, façamo-nos entao a este largo!
Gosto de uma noite passada a navegar na internet. Talvez por vezes um bocado futil, de certo, mas depois de um dia agitado, sabe bem.
Entre aprender alemao, preparar "Holanda '10" e estudo de orgao, a sensaçao de descanso é enorme. O semestre está a acabar. O IST tambem.
Porque quase num abrir e fechar de olhos, estou no 3º ano do curso, prestes a acabar. E ainda parecia que foi ontem que estava a ir inscrever-me. Costumam-me perguntar se vou continuar com Matemática. Nao, por agora. Nao vou deixar de lado, e sei que é por isso que estou a acabar o curso. Foi sempre algo que quis.
Entretanto, definem-se rumos. Procuram-se metas cada vez mais longe. Porque tenho a certeza de que sonhar alto compensa.
E enquanto fechava a porta de casa, ouvi Pedro a descer as escadas, desenfreado, suportando a enorme mochila que trazia às costas.
Pondo-as no chão e largando um sopro de cansaço, explicou:
"Vou para o Haiti."
Ele nao esperava nenhuma reacçao minha, percebi. Perguntei por Cláudia, ele disse que iria ficar cá. Ao menos teria quem me fizesse o jantar, pensei.
Sei que preciso de explicar: Pedro é voluntário na AMI. Recrutado nas catástrofes naturais de grande escala, nunca disse Nao a um pedido de ajuda.
Eu fico, mas com pena de tambem nao puder ajudar. Podemos estar a viver numa sociedade com crise de valores, mas é bom sinal ver a pronta ajuda prestada pelos vários paises, organizaçoes, entidades, pessoas.
Valerá sempre a pena.
Aceita o universo
Como to deram os deuses.
Se os deuses te quisessem dar outro
Ter-to-iam dado.
Se há outras matérias e outros mundos -
Haja.
Alberto Caeiro