













E assim se constroi tradições. Simples. No meio da aflição de ter que preparar a epoca de exames do IST, aindo reservo dois dias para nada fazer. Os carols soam por toda a casa, e as velas desenham um percurso desde o topo até ao presépio. Veem-se filmagens de outros anos, e acima de tudo, continua uma história de partilhas.
Este foi mais um Natal. Todos eles teem alguma coisa em particular, em especial, que os diferencia.
Este ano foi mais O Natal. Sem duvida, das melhores alturas do ano.
Loulé, 3 da manha.
Silêncio mentiroso, nas escadas que subo. Olho pela janela. Mais que noite cerrada, nao é a noite Lisboeta, que luzes tanto iluminam. É mais simples.
Decoro estas palavras que agora escrevo, numa especie de viagem ao futuro. De hoje, entre IST, ensaios na Juvenil, viagens e dormidas, fica a frase:
"O ouvinte ouve o presente à luz do passado. O executante planeia o futuro à luz do presente", maestro Christopher Bochmann.
Olho para trás. As imensas histórias vividas. Todas elas quase sempre tem os mesmos "actores". Nós. E agradeço, porque é assim que a Matemática tem dado resultado, e a Música tem soado melhor.
E agora, vai um poker?
A minha redescoberta do Natal foi feita atravês de dois dos mais famosos compositores para Órgão. Terei todo o prazer em partilhar convosco.
E ontem, de noite, la fui. Esse poder que tenho, basta fechar os olhos, parar e ir.
A casa é da familia. Quero dizer, ja faz historia.
Abro a porta, devagar. Quem a conhece, sabe o quao dificil é poder abrir sem barulho. Pensei entrar pelo quintal do Tio Filipe, mas parece-me demasiado arriscado. Mesmo apos estes anos, nunca ganhei coragem para passar aquele simples caminho sozinho.
Entro, sigo para a sala. Fria, sem ninguem. Ja estao deitados.
Afinal, o que é um refúgio?
Lugar onde paramos, inclusive no tempo. Aí, podemos avançar para a frente ou para trás. Podemos re-viver as historias. O meu estilo desajeitado de futebol foi treinado ali, no palheiro. Ou podemos imaginar futuras historias.
O silêncio. Alguns carros passam, é raro.
Subo as escadas ao topo da casa.
Deito-me, adormeço. As noites sao iguais às passadas. O sorriso de fim de dia é o mesmo.
E naquele sorriso esconde-se a companhia de quem lá está.
O Gregoriano ja dormia, ou parte dele, no fundo nunca sabemos o que esperar. Rapidamente e em jeito de susto, o filho da Dulce apareceu à porta, citando a famosa frase ganhadora:
"Nao há paninhos quentes, André!"
Sorri, mais que uma especie de codigo secreto, era uma ligaçao.
Eu e o Jorge limpavamos e alinhavamos a loiça lavada, num silencio pensativo. Quebrei a pausa de longas breves:
"Engraçado, Jorge. Ha bocado a Rita disse, ao jantar, que nao sabia bem o que queria seguir porque para ela era dificil nao se imaginar a cantar daqui a 10 anos."
Jorge sorriu. É mesmo assim. Sorriso compreensivo.
"Pois... acho que é um problema de todos."
E o silêncio quebrado recompos-se, qual tema de fuga!
A dificuldade está aqui. Daqui a 10 vou querer estar dentro ou fora da Musica? .. Dentro ou fora de Matematica?
Os pratos passavam de mao em mao, arrumados, prontos para o dia seguinte. O tempo era contado em forma descrescente, no fundo ninguem gosta de ficar a limpar a cozinha.
De repente, assaltado de um pensamento, partilhei:
"Bom, mas enquanto nao sabemos, nada melhor que dar graças por este dia."
Parei, encostei-me ao balcao, olhar fixo no tecto. Jorge nada disse, expectante do que viria a seguir..
"É que é um luxo poder estar a tirar um curso que sempre quis, e tambem fazer musica com estas pessoas!"
Jorge riu-se. É verdade! E realmente, poucas vezes damos valor.
Cozinha terminada, tempo de ir reunir com o pessoal na sala de alunos. Descemos calmamente as escadas...
"Simão, o que é que ainda estás a fazer de pé? Pedro! Pedro, para de correr! Isto ja nao sao horas..! Alberto... outra vez ires acordar a Magui com a esfregona.. nao..."
Avisos caiam em tom mandatário, confesso, mas tento nao faze-lo. É tao mais facil errarmos nós.
Chegado à sala de alunos, belo cenário! Todos dormiam profundamente... o cansaço era tal após um ensaio de Coro de Camara, que a ideia de ver o Rei Leao às escuras, telas de cinema, projectores directamente vindos da China ou do Cambodja, nunca sei, nao resultara.
Laura e Ana tinham a cabeça encostada uma à outra, enroscadas no pequeno cobertor.
Debora e a Eunice falavam, afinal, baixinho. Riam-se, baixinho, das suas piadas, privadas, mas que fazem delas assim tao especial.
Jorge e eu sentamo-nos, cada um numa ponta do sofá, mesmo a tempo de uma das minhas cenas favoritas:
"- Timon...
- Que é?
- Alguma vez imaginaste o que serão aqueles pontos brilhantes lá em cima?
- Pumba, eu não imagino, eu sei!
- Ah! E o que são?
- São pirilampos! Pirilampos que ficaram colados àquela coisa grande azul escura.
- Ah!... Sempre pensei que fossem bolas de gás a arder a milhões de quilómetros daqui...
- Pumba, p’ra ti, tudo é gás."
Dia cumprido, satisfaçao. Hoje há que dizer obrigado pelo que se tem. Daqui a 10 anos, aquela sala tera outras pessoas a dormir. Mas no fundo, a uniao de quem a fundou continuará, de certo!
Entrei de rompante. Respiraçao rápida.
Jesus ali estava, na sua secretária, na mesma sala onde outrora eu ja estive.
Pernas esticadas, olhar concentrado, na sua mao tinha o livro de José Saramago. E nao, nao era "Caim". Era o "Memorial do Convento".
O meu olhar surpreso nao passou despercebido.
"Diz, André!", Pediu-me.
Meio atrapalhado com a ironia da situaçao, balbuciei:
"Mas... vinha-Te desabafar acerca do livro..."
E ainda antes de eu acabar a frase, Jesus fechou o Memorial, endireitou-se na cadeira, olhou seriamente para mim e disse:
"Vens Me perguntar se acho bem ou mal, se fico ofendido ou nao..."
Inclinei a cabeça em sinal de aprovaçao. Estendeu a mao para a cadeira, numa especie de convite para sentar. Depois continuou.
"Tens que aceitar, André. É liberdade...!"
"Mas nao é abusivo? Quer dizer, as pessoas dao a desculpa que ele é Nobel, entao nao deveria ter mais cuidado com o que diz?"
"Imagina um grande musico. Ou um grande matematico. Agora imagina que ele vai ter que dar um espectaculo ou seminário. Quando chega a hora, enfrenta o publico, manda dois arrotos para o ar.. É por ser reconhecido que pode fazer isso?"
"Eu acho que nao..."
"Pronto, deixo-te com esta para reflectir. O escandalo é enorme, mas nao vale a pena! Olha, até mais pessoas teem lido a Biblia, sabias? Pode ser que ajude a conhecerem-Me melhor!"
10 segundos de silencio. Percebi a mensagem. Levantei-me.
"André...", Disse-me, "... nao te esqueças que muda a hora!"
E com uma gargalhada, sem respiraçao ofugante e muito menos sem duvidas, abandonei a sala.
Simples.
Um dia bem passado tem que ser simples. Sem correrias.
O tempo pouco faz.
E deixa a saudade, no final, de voltar ao inicio.
E porque nao, outra viagem de teleférico?
Disseste-me que chegavas ao final do dia sem saber se eras capaz. Aqui escrevo, para mais tarde um de nós relembrar: és capaz.
Se calhar antes o caminho era simples como uma recta, numa planicie. Ainda bem. Agora é altura de escalar montanhas, de teres rocha e escorregares por vezes nos passos que dás.
Mas a diferença entre os dois caminhos é clara: no final da recta da planicie, nem a paisagem terá mudado. Nao tiveste muito cansaço, e teres chegado ao final da recta pouco te teria alterado.
Mas ao chegares ao topo da montanha, tens vista sobre tudo. O cansaço é grande, mas a recompensa é enorme.
Vale a pena..!
E ao avançar para a Igreja do Campo Grande, perguntei-me:
"Como é que eu devo encarar... a morte de alguem?"
Não é facil, e sei que muitas vezes é este o ponto que separa a fé. O meu passo ia rápido, a cara nao tinha feiçao.
Estava meio perdido no acontecimento.
Ás vezes nao é preciso ter-se uma ligaçao profunda com alguem. Basta esse alguem marcar-nos de alguma maneira.
Estava aqui a resposta, entao, à minha pergunta: A morte nao é mais que um reconhecimento e passagem de testemunho.
Confesso que nao me satisfez, principalmente naquele momento de dor. Mas sabia que a imagem que mais me vinha era o sorriso que trocavamos, todos os domingos de manha.
Aquele sorriso marcava-me. Fazia parte daqueles sorrisos que eu sabia que me protegiam, que me perguntavam como ia a faculdade, a vida, tudo... num simples sorriso.
A Igreja ja aparecia ao longe. Nao havia mais a pensar.
Aqui fica a lembrança e o obrigado. A falta estará sempre presente, mas disseram: "Hoje o banquete nao é aqui. É na casa do Pai."
Eu creio que sim.
Voltaram as aulas, o ritmo frenético e o pouco tempo para descansar.
Para trás ficou um Verão cheio. Cheio de descanso, cheio de energia, cheio de aventuras que me fazem acreditar: Basta querer!
Agora é altura de "arregaçar mangas". Expressao estranha, escrita. Mas sei o que significa.
Revejo o ano passado tal como um treinador reve os videos do ultimo jogo da sua equipa, para tirar ideias.
Reconheço erros, agora espero poder emendar. Nao duvido: Basta querer!
Querido Avô:
É bom ter memórias. Hoje recebi umas partituras que tinha mandado vir do Porto. Mesmo com o quarto num caos, la me sentei ao orgao para descobrir a tao emocionante fuga 539 de Bach. Confesso que é qualquer coisa de espectacular. Se nao conheceres, recomendo vivamente.
É bom ter memórias. Quando regressava hoje para casa, descobri que escrever e tocar sao coisas parecidissimas. Alem de ambas contar a mais simples história, ja reparaste que se nao praticares as duas com alma, nada vai sair?
Repara: Se eu escrever um texto que devia transmitir desanimo, se eu nao escrever na altura que estou a sentir esse desanimo, entao nao vou conseguir transmitir esse sentimento. O mesmo se passa com a musica: se eu tocar sem qualquer intençao interior, entao nao vale a pena.
Mas aqui, Avô, é que está o bestial: ambas precisao de reflexao! Perceber uma musica, escrever um texto. Nada sai de repente. E o sentimento procura-se, porque vem ao reflectir.
Caramba. No outro dia vi-te nas filmangens habituais do meu pai. Ele tem razao: a persistencia vale a pena.
Hoje sinto pena de nunca termos trocado conhecimentos de Canto Gregoriano. Mas ambos sabimos o truque secreto da ordem dos sustenidos e bemois, que dava um toque ligeiramente requintado a qualquer conversa.
É assim. É bom ter memórias. Vivas! Que nos façam sorrir! Porque sao essas que me fazem ter a certeza...
... de que nos veremos para lá do Sol posto!
Faz-me sentir bem ao poder usa-la. Hoje.
Estive 1 dia em St. André, mais especificamente no Monte de Cerradinha. 1 dia, que valeu por uma semana.
Entao lá fomos, 7, unidos, rindo alto e descontraidamente. A casa ficava num parque natural. Magnifico. A vista enchia-me, e apetecia-me gritar. Nao havia casas à volta, e de vista so se captava uma ou duas.
Descontrai. Finalmente, apos tanto exame, tanto estudo, soube bem. Ainda por cima, apos mais um sucesso. Tive medo de perder ritmo, pois ainda tenho outro para preparar, mas percebi que hoje venho com mais garra. Com mais Eu.
E tudo porque estive la, perdido no meio daquela magnifica vista, com o Tiago, a Laura, a Maria, a Ana, a Teresa e o Francisco, a jogarmos poker e cantarmos 3857 2ªs vozes diferentes para cada musica que aparecia. Porque a dupla Tiagao-Mega André arrumou com todos no Kames. Porque ao deitar, e ao fechar os olhos, soube bem te-los por perto. Porque ainda ninguem explicou porque é que se usa o verbo Foldar. Porque a Laura dominou no Poker. Porque afinal nao andámos de gaivotas. Porque o Chocapic, após tantos anos, continua forte em chocolate!
No final da noite de ontem fui lá fora. Ja nao me lembro se ouvi grilos. Que estranho. Estou habituado ao Norte, mas confesso que o Alentejo foi uma agradavel surpresa. E quando a brisa mais forte passou, com cheiro a maresia, fechei os olhos e agradeci aqueles e outros momentos.
E pensei na saudade de ter que sair de mim para ir para outro lugar. Na preocupaçao constante. No sorriso que trazia estampado na cara. Saudade que voltará um dia.
É assim a minha vida!
E é quando se partilham historias de vida que nos passamos realmente a conhecer melhor.
Histórias de vida que temos orgulho e fé em partilhar. Historias que nos fazem sorrir, por serem tao surpreendentes e por nos fazerem olhar a outra pessoa.. com outros olhos!
Pois é nas histórias realmente ocultas que nos descobrimos.
E as amizades passam a ter, entao, a verdadeira definiçao da palavra.
A ti, Verónica, que decerto nao és computavelmente enumeravel nem um silogismo hipotético, Obrigado!
... com mais estas 11 pessoas! (Quem é que me descobre na fotografia? Vá, nao é dificil!)